Trump quis o palco e Nancy lhe deu a ribalta

14 de janeiro de 2021, 16:53

Pela segunda vez Donald Trump teve aprovado um processo de impeachment contra si, na Câmara. Falta o Senado. É provável que ali o poupem, mas aos olhos do mundo ele já é um homem marcado pela derrota. Nas urnas e na história. Trump entrará nela pelas páginas do assombro. É o único presidente americano a enfrentar duas vezes este processo. O resultado da votação: 232 X 197 foi bastante significativa, levando em conta que além dos deputados democratas, 10 parlamentares do seu partido se colocaram ao lado dos indignados com a sua atitude golpista.

As imagens dos soldados da Guarda Nacional esparramados pelo saguão do Capitólio, em uniforme de campanha, em Washington, para garantir a votação pacífica correram mundo. Não se sabe ao certo quantos estavam lá, ontem, mas até o dia da posse do presidente eleito, Joe Biden, segundo o Pentágono, serão 20 mil.

Na sua posse, foram oito mil. Depois do dia 6 de janeiro, quando uma turba incontrolável invadiu o Congresso, para impedir a homologação da vitória de Biden, incitada por ele, a prudência mandou mais que dobrar o contingente. Nada de surpresas, quando a militância ultradireitista – foram 74 milhões a votar em Trump – segue mobilizada. Melhor garantir a segurança.

A iniciativa da presidente da Câmara, Nancy Pelosi, de colocar o impeachment em votação teve motivos para lá de agudos. Em suas palavras, os colegas precisavam adotar “um remédio constitucional” contra alguém que quer destruir valores que os americanos tanto prezam, alegou. O resultado não deixa dúvidas quanto a eficiência do seu apelo. O que se questiona, no entanto, é o quanto este cadáver insepulto, sendo “velado” pela militância ultradireitista e barulhenta, até depois da posse, vai empanar o brilho da ascensão de Joe Biden ao poder.

Durante todos estes dias, o assunto não será os preparativos para a posse, como costumeiramente acontece. Poucos estarão preocupados – como de fato é assunto de pouca monta, mas sempre notícia –, que estilista se encarregará do modelo da primeira-dama. O cerimonial, tantas vezes esmiuçado, nesses casos, passará ao largo do noticiário, quando algo muito maior está em jogo: a garantia da segurança de Biden, ameaçada pelos supremacistas brancos. Os números e deslocamentos, não serão os dos convidados e o roteiro do desfile presidencial, mas, sim, o das tropas que deverão cercar o Capitólio e os cenários onde estarão Joe e Kamala.

O processo de impeachment de Donald Trump o faz manter-se no foco do noticiário ainda por muitos dias e sabe-se lá, por quanto tempo.  Certamente a mídia estará ocupada em se posicionar para registrar toda a movimentação da Casa Branca, onde um alucinado e inconformado deverá sair com seus familiares e suas tralhas, espera-se, sem apertar os botões que podem literalmente explodir o mundo.

O habitual, neste caso, é que as notícias girem em torno de quem está chegando. Desta vez, porém, a saída será e precisa ser vigiada. Com que pernas Trump deixará a Casa Branca? É a pergunta.

Trump sublevou e manterá neste estado de mobilização o seu exército de seguidores, em constante ameaça pelos próximos meses. Por mais que o seu discurso tenha baixado de tom, ao constatar que entraram para o seu currículo cinco cadáveres, frutos do incitamento contido em seu chamamento da manhã do dia 6 de janeiro, Trump não deixará a poeira baixar. Quer o palco. E Nancy lhe deu a ribalta.

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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