Cancelamentos sumários

21 de julho de 2020, 17:09

Por Luís Costa Pinto

Sempre fiz exercícios ficcionais e distópicos tentando imaginar a vida anos à frente. Adquiri o hábito desses mergulhos em meus próprios delírios ainda na adolescência. Cheguei a ser xingado de “filósofo” por alguns amigos. Nunca fui filósofo, e me arrependo de não o ser formalmente. Mesmo que “filósofo”, no caso, fosse apenas a coragem de assumir a atitude empírica e empreendida à guisa de orientação ou de preceptores, apenas como ato de livre-pensar. Filosofar parecia algo distante e estranho para garotos de 15 ou 16 anos mais preocupados com ouvir fitas cassete com compilações de Queen, The Cure, Kiss e que tais em toca-fitas TDK (daqueles de bandeja, que às vezes tirávamos dos carros e colocávamos em consoles improvisados em nossos quartos).
Há mais de 35 anos imaginava que em 2020 poderíamos estar a colonizar a Lua. Talvez pelo fato de o pouso da Apolo 11, em 1969, ter sido uma façanha humana muito contemporânea para mim. Nasci em 1968. Portanto, a saga de Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins sempre me fascinou. Um pouco mais à frente em minha timeline, e em razão de ter flertado com a militância no Movimento Estudantil ainda enquanto aluno secundarista, sonhei com a vitória de modelos socialistas e o subjugo do capitalismo ante formas mais iguais e justas de distribuição das riquezas. Como se vê, nada especial ou necessariamente filosófico.
Nunca, em minhas imersões dadas a imaginar a vida como cenário de roteiro ficcional produzido por um hábil autor latino-americano da escola do realismo fantástico de Gabriel García Márquez ou Jorge Luís Borges, imaginei-me assassino em série. Atualmente, contudo, nas ruas de uma Brasília onde o poder formal está sob a desordem vigente do bolsonarismo e dos militares desqualificados e despreparados que ascenderam em 2018, não passa um dia sem que me projete – na imaginação! – como serial killer destinado a pôr fim à horda de boçais que povoa os endereços de classe média por mim frequentados nesses tempos restritos de pandemia: mercados, feiras, farmácias, ruas do Lago Sul, um ou outro parque eventualmente reaberto.
O desejo de matar é saciado por uma fuzilaria visual digna de sniper ou por falsos acessos de tosse, fabricados para apavorar ou constranger quem cruza comigo desprovido de máscaras ou trajando camisas da Seleção Brasileira. A pulsão assassina é direcionada exclusivamente contra os recalcitrantes e reincidentes no comportamento estúpido de desconhecer a grave realidade que ora vivemos. Quem despreza a crise sanitária e humanitária que marca a nossa geração ou insiste em desprezar o tamanho da culpa e a dimensão da irresponsabilidade de uma criatura perversa como Bolsonaro, alçado à condição transitória de líder de uma Nação de 212 milhões de habitantes porque 39% dos eleitores aptos a votar para presidente em 2018 o fizeram com o fígado e não com a razão, tem de ser tratado como escória. E qual escória, fazem por merecer tratamento ríspido e atitudes firmes, daí o tiro-ao-alvo imaginário que passei a empreender com os desmiolados que são ou parecem ser bolsonaristas. Manteve atitude ridícula ante meus valores pessoais, é cancelado. Sumariamente.

Bolsonaristas, sem máscaras, carregam caixão em ato em Brasília. Seria, simbolicamente, o caixão deles mesmos? Ou do país? Ou do líder deles?

Escrito por:

Jornalista

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